você também pode tocar violão e editar horóscopo
mas saiba que o mundo não precisa de mais alguém fazendo música meia-boca ou prevendo o futuro
na pandemia tentei tocar violão. pela quinta vez.
quatro tentativas frustradas não bastaram pra que eu entendesse que talvez, apenas talvez, tocar violão seja algo que eu não consiga fazer.
uma pena. pra mim, claro. o mundo não precisa de mais uma pessoa fazendo música meia-boca.
durante a pandemia passei noites e noites ouvindo o Tweedy Show, programa que
fazia em casa com a família em lives no Instagram. eles me fizeram acreditar que compor e tocar violão são habilidades que dependem só de paciência e de treino.Jeff escreveu um livro ensinando a escrever uma música. ele diz que ninguém nasce gênio e que a prática se faz necessária. um dia eventualmente você aprende.
eu concordo.
sei os acordes, as cordas e a teoria toda. me faltam calos nos dedos e ritmo — ou seja, o mais importante.
tenho certeza que se eu treinasse uma hora por dia e fizesse aulas, tocaria violão. só que eu não quero.
tem dezenas de outras coisas que faço mais ou menos, outras que sou boa e isso é o suficiente. se eu for investir energia em alguma coisa, que seja em escrever.
vocês me leem e dizem pra eu continuar. compartilham o que escrevo e, pela primeira vez, acho que de fato preciso manter meu compromisso com essa newsletter e meus três manuscritos iniciados.
disseram que minha escrita é crua. outros que é sensível e delicada. entrem em um consenso, pois isso, pra mim, soa quase como um paradoxo.
estou há dias pensando em frases inteligentes e colecionando temas especialmente pra vocês, mas, infelizmente, estou vivendo um momento em que meu ego não me demite.
encarem como treino, claro. insistam em mim.
e entendam que, nem sempre, escrevo a verdade.
afinal, já editei até horóscopo. profissionalmente.
decidi compartilhar um texto bem esperançoso que escrevi quando o antidepressivo começou a bater em meados de 2021:
tempo - 04/07/2021
escrevo a você que caminha em um sentido, que carrega nos ossos o peso do tempo, na pele o registro dos dias e na cabeça cada passo dado: espera.
aninha o corpo, se cobre bem e respira. o tempo às vezes assusta, mas também acalma. com o tempo mudam as ruas, a cidade, crescem as crianças, caem os cabelos. nele, muito se repete e tudo se torna mais comum.
se entende que é preciso seguir, pois o relógio não para. é hora de escolher ir atrás do coelho ou ficar debaixo da árvore.
se contam os anos a cada anel, a cada pedaço de casca que se cria, nos sonhos perdidos, no real alcançado e uma vista cansada, mas presente. eu gosto do tempo com tudo que ele traz, incluindo os longos fios de cabelo que formam um leito no lado direito da cabeça, que apontam pra cima, fortes e grossos.
gosto do que fica com ele, de quem permanece, daqueles que nos veem crescer gigantes e não nos temem, daqueles que nos querem no topo sem invejar ou sumir. a todos que ficam com o tempo e esperam. a estes eu escrevo: fiquem, pois é lindo lá do alto.
peguem em minha mão e estiquem os olhares para o horizonte: percebam que o caminho é sinuoso, difícil, mas bonito. basta paciência.
um segredo: na madrugada decidi ir atrás do que não me dizia respeito. encontrei uma dezena de palavras íntimas e um pouco desesperadas. nelas, percebi algo que nunca terei. decidi ficar triste por dez minutos. virei de lado e voltei a dormir.
coisas que Jeff Tweedy escreve:
His goal in life was to be an echo
The type of sound that floats around
And then back down like a feather
But in the deep chrome canyons of the loudest Manhattans
No one could hear him
Or anything
So he slept, on a mountain
In a sleeping bag underneath the stars
He would lie awake and count them
But the great fountain spray of the great Milky Way
Would never let him
Die alone
Hummingbird - Jeff Tweedy
um dia vou escrever uma música chamada "Queria escrever igual
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Carol, acho que ser "crua" ou "sensível e delicada" refletem dois aspectos de uma mesma verdade sua sua: você encara de frente sentimentos complexos. De todo modo, continue!