Fernanda Young - Foge-me ao controle mostra a complexidade de uma mulher visceral
Resenha do documentário dirigido por Susanna Lira que chega aos cinemas no dia 29 de agosto
Fernanda Young sempre me intrigou. eu era adolescente quando a vi pela primeira vez na televisão: uma mulher muito tatuada, de cabelo muito curto, uma escritora. provavelmente uma das pessoas mais autênticas que tinha visto até então. nos anos 90, em uma pequena cidade do interior de Santa Catarina, uma mulher como Fernanda Young era praticamente inexistente.
fiquei um pouco assustada e até senti certa repulsa pelo novo, desconhecido. com o tempo, assisti-la tornou-se inevitável e querer ser assustadora como ela virou um certo objetivo.
agora, em pleno 2024, ao assistir a Fernanda Young - Foge-me ao Controle, documentário de Susanna Lira, confirmei o fascínio que sinto há décadas por essa mulher visceral. alguém tão contestadora quanto amável, apaixonada e maternal. complexa, noiva e punk.
o filme chega aos cinemas no dia 29 de agosto, cinco dias após o aniversário de morte de Fernanda. ela morreu aos 49 anos após uma crise de asma seguida de uma parada cardíaca. curiosamente, os pulmões e o coração são representativos em sua obra.
foi um choque. vivíamos a pandemia e Fernanda Young morreu. estávamos no horror e uma mulher que nunca teve receio de ser quem é se foi. me dei conta que conhecia pouco sobre ela, mesmo a conhecendo há tanto tempo.
essa percepção se confirmou em 2022, quando assisti online à peça Pós-F, encenada por Maria Ribeiro. chorei muito. parte do que ela dizia trazia memórias de uma juventude com pontos em comum ao que eu vivi e senti como mulher.
o documentário de Susanna Lira teve um impacto ainda maior. especialmente por mostrar com sensibilidade todo o universo que faz parte de quem é Fernanda Young. "É” porque ela segue viva em livros, textos, fotos e vídeos no youtube.
a complexidade que faz dela única aparece no documentário que mescla imagens da protagonista com algumas das inúmeras referências que integram sua obra. não é preciso ser fã pra terminar o filme sabendo que há alguém incrível ali.
Fernanda passou parte da vida sendo vista como uma baderneira desbocada. nas entrevistas, era comum ter que se justificar por dois pontos que muita gente simplesmente não conseguia conciliar à sua imagem: ela era mãe e tinha um casamento feliz com Alexandre Machado. os inúmeros roteiros, séries de sucesso, crônicas, poemas, bordados, desenhos e tudo mais que ela criava eram tópicos menores.
o reconhecimento veio depois e ela nem estava aqui pra dar uma declaração irônica. três meses após sua morte, em 2019, ela ganhou o Prêmio Jabuti na categoria Crônica por Pós-F: para além do masculino e do feminino.
não que ser mãe e ser apaixonada não fossem importantes — muito pelo contrário. Fernanda Young celebrava o amor. havia passado por dois relacionamentos abusivos, viveu parte da vida tentando escapar da violência subvertendo um esteriótipo feminino, mas não fugia de amar. pra ela, o amor era tão necessário quanto respirar. e escrever.
“O amor deveria ser somente o início”, ela anunciou. sempre admirei esse amor tão construtivo e simbiótico que ela e Alexandre viveram. ela dizia que ele organizava a bagunça dela. ele enxergou nela a escritora, a mulher criativa que ela era. foi parceiro sem roubar seu protagonismo ou favorecer-se do seu talento. uma raridade.
todo esse conjunto complexo está em Fernanda Young: Foge-me ao Controle. nas imagens, ela mesma narra sua história, a de uma mulher que sempre quis escrever e amou muito. terminei o filme inspirada e com coração pulsando. escrevi um texto gigantesco, mas quando acordei, ele não tinha sido salvo.
aceitei a derrota e recomecei. como ela, não me escapa a sensibilidade e o amor pela escrita. os 87 minutos de filme seguem aqui comigo, como uma inspiração e uma lembrança. viva, Fernanda.
Uau! Eu sempre fui muito fã dela também. E incrível ver a alma da artista tão latente nela, ❤️🔥❤️🔥
Me deu até vontade de ir ao cinema pra assistir (mas acho que vai ficar só na vontade mesmo, onde eu moro só passa blockbuster). Adorei seu texto!