em 9/1 Pepe Mujica anunciou que não levaria adiante o tratamento contra o câncer. pediu que o deixássemos em paz. "Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso", disse.
coincidentemente, uns dias antes, eu havia ouvido o episódio Exercícios de Futuro, da Rádio Novelo, que traz uma entrevista de Carol Pires com o ex-presidente uruguaio. Mujica fala sobre sucessão, política e a necessidade de a esquerda se renovar.
depois que mujica lembrou o mundo de que ele é um idoso, está morrendo e logo partirá, dezenas de vídeos com frases e entrevistas dele começaram a aparecer no meu instagram. o algoritmo compreende bem o que me interessa e sabe que o que mais tenho consciência é da finitude de todos nós.
não há razão para ler isso com tristeza. o choque de saber que haverá um fim é libertador. só há ansiedade quando se vive esperando por algo que talvez nunca chegue no breve tempo da nossa existência.
particularmente, há um conflito interno entre aceitar envelhecer na nossa cultura ocidental e estar confortável com a passagem do tempo. em 42 anos, sinto que tive muitas vidas, cada uma com suas belezas e tristezas, mas nada tão tranquilo quanto agora. sinto até medo de escrever e algo ruim acontecer.
não há nada perfeito, apesar dos momentos de paz. algumas vezes, vejo, ouço e leio coisas e lembro de ausências, perdas e insatisfações. os boletos não param de chegar e ainda há vários desafios diários, incluindo exames periódicos, a menopausa e o risco eterno de eu ferrar meu joelho — não necessariamente nessa ordem. também não deixo de me preocupar com os problemas coletivos, com as questões que excluem dezenas de pessoas de uma vida confortável.
acredito que o que mudou, de verdade, é a minha perspectiva sobre os meus problemas e o controle sobre eles. também concluo que, nas vidas anteriores, nessas quatro décadas, lutei tantas batalhas para chegar ao que sinto hoje e agora. a vida presta, né.
não existe possibilidade de se viver em paz quando há vida. isso também é um aprendizado. às vezes consigo correr 5km sem parar, em outros dias evito sair de casa. sinto medo de viver o novo e acabar com o castelinho confortável que construí a duras penas, mas o que eu faço com tanta curiosidade pela vida?
outro vídeo que viralizou foi um trecho do documentário Waapa, em que Daniel Munduruku fala sobre o sonho das crianças indígenas. elas querem ser avós. envelhecer, para elas, é ganhar o presente da experiência, descobrir os segredos da vida.
é bonito.
não tem nada mais irritante do que infantilizar idosos. "o avozinho, a senhorinha", como se velhos não fossem humanos capazes de coisas maravilhosas e terríveis. desculpa estragar a festa, mas, se você tiver sorte (ou não, vai saber se você é uma boa pessoa ou não) vai envelhecer. (inclusive, recomendo a leitura dessa resposta da mãe da Milly Lacombe a respeito do uso de diminutivos com gente velha).
tratar a velhice como regresso é se limitar (escrevo isso pra mim mesma). criar um prazo de validade que só diz respeito a você e às suas próprias crenças. boa parte das conclusões que me trazem paz hoje eu aprendi em longas conversas com minha vó, sem subestimar sua capacidade de compreender a vida.
não tenho pressa nenhuma pra nada. desisti de aprender coisas por aprender, brigar pra ter razão e discutir com quem não quer ouvir. e sigo na luta de evitar qualquer tipo de comparação, mas ninguém é perfeito.
não sei como terminar, mas deixo com vocês esse vídeo bonito do Mujica:
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eu nunca lidei bem com essa coisa de envelhecer, mas a vida me chacoalhou e hoje meu maior sonho é justamente ter o privilégio de poder envelhecer e morrer depois de uma vida longa, cheia de amor e afeto. a sua escrita sempre me pega em cheio, Carol <3
meu pajs estão perto dos 70 anos e evito me meter em qualquer decisão que eles tomem. enquanto eles tiverem autonomia suficiente, não digo nada. errar e acertar também faz parte da idade.